Sara Rutherford é a mulher mais jovem a circundar o mundo em voo solo

“Quero encorajar as pessoas a fazer algo louco com suas vidas”, disse a aviadora de 19 anos logo que desceu do ultraleve, cinco meses e 51 mil km após iniciar a viagem




Se quer ir rápido, vá sozinho. Se quer ir longe, vá acompanhado”, afirma um provérbio africano. No entanto, contrariando o dito popular e o próprio motivo que o inspirou – a forma como os gansos se organizam em pleno ar ao longo de suas migrações transcontinentais -, uma adolescente se tornou a mais jovem piloto a completar uma volta em torno da Terra, voando absolutamente só.

A bordo de um ultraleve Shark Aero UL, a belga-britânica Zara Rutherford, de apenas 19 anos, superou o desafio de percorrer os cinco continentes do globo, iniciado em 18 de agosto de 2021. Nesta quinta-feira (20), ela pousou no aeroporto internacional de Kortrijk-Wevelgem, na região dos Flandres, na Bélgica, onde foi recebida por familiares, imprensa e fãs, segundo o portal de notícias BBC Brasil.

A aeronave ultraleve Shark UL é acompanhada por um avião de acrobacia na sua chegada à Bélgica

Durante a aproximação para a aterrisagem, o ultraleve pilotado por ela foi escoltado por quatro aeronaves da equipe de acrobacia aérea Diabos Vermelhos Belgas. O retorno da jovem aviadora ao ponto de partida da viagem aconteceu dois meses após o planejado, em decorrência das condições adversas de tempo encontradas durante o percurso.

Em duas dessas ocasiões, por exemplo, ela ficou impedida de decolar por um mês na cidade de Nome, no Alasca, e outros 41 dias, na região russa da Sibéria, devido às nevascas.

Sara Rutherford e o Shark Aero UL

Depois de completar com tranquilidade o último pouso de sua longa aventura, a nova recordista mundial se enrolou nas bandeiras da Bélgica e do Reino Unido. Durante a entrevista coletiva, Rutherford declarou que estava “muito feliz” por ter aceitado o desafio de 51 mil quilômetros. No total, Sara passou por 29 países, muitos deles com mais de uma escala, nos cinco continentes, cruzando duas vezes a linha do Equador.

“Tudo parece louco, eu ainda não consegui processar”, disse ela aos repórteres. “A parte mais difícil foi na Sibéria. Estava extremamente frio e se o motor falhasse eu estaria a horas de um socorro. Não sei se eu sobreviveria”, continuou ela. E concluiu: “Quero muito falar para as pessoas sobre minha experiência e encorajá-las a fazer algo louco com sua vida. Se você tiver chance, vai nessa.”

O trajeto incluiu mais de 60 paradas em 5 continentes e começou em 18 de agosto do ano passado

A aviadora belga-britânica, que é filha de pilotos, disse que gostaria de inspirar garotas a entrar nas áreas de engenharia, matemática, ciência e tecnologia. Segundo a BBC, ela bateu o recorde da americana Shaesta Waiz, que tinha 30 na época do seu desafio, em 2017. O homem mais jovem do mundo a fazer a circunavegação aérea completou a viagem aos 18 anos.

Rutherford, além de ser a mais jovem mulher a estabelecer essa marca, é a primeira mulher a fazer o percurso em uma aeronave da classe dos ultraleves.

Rutherford ficou um mês em Ayan, na Rússia, por causa das condições do tempo

A viagem deveria ter a duração de três meses, mas diversos problemas com o tempo atrasaram o roteiro e levaram-na a estourar o prazo do visto russo – e, para piorar, às vésperas do inverno siberiano – que não por acaso, é sinônimo de uma condição mortal para qualquer indivíduo que não seja um urso branco ou uma foca polar.

Quando Rutehrford estava prestes a deixar o Alasca (uma das 50 unidades federativas dos Estados Unidos, já próximo ao Círculo Polar Ártico), apenas três dos 39 voos programados puderam decolar. Fora isso, ela ainda teve de esperar pela renovação de seu visto, enviada pelo consulado russo em Houston. E mesmo após receber a documentação, a pilota teve que esperar por três longas e geladas semanas para atravessar o Estreito de Bering, que separa o Alasca, na América do Norte, da Rússia, no continente asiático.

Condições adversas de tempo atrasaram o roteiro em três meses

Em um post em vídeo no Instagram ela disse: “Faz 18 graus negativos e minhas mãos estão literalmente geladas. Estou aqui já faz quase um mês. Eu tenho me mantido ocupada, mandado cartas de admissão para universidades e trabalhando no avião para estar pronto para voar”, reportou ela.

“O tempo não tem estado muito bom. Toda vez ou a Rússia que está com tempo ruim, ou é no Alasca que tem problemas”. Feita a travessia, ela enfrentou na Sibéria temperaturas que atingiram 35 graus negativos em terra, e 20 graus negativos na altitude.

A adolescente vem de uma família de pilotos

Foi preciso que um mecânico vedasse parte da entrada de ar de refrigeração do motor a fim de que ele se mantivesse aquecido o suficiente para seu bom funcionamento no frio extremo.

Contudo, apesar dos ajustes técnicos, Sara foi forçada a ficar no solo por um tempo em duas cidades russas: em Magadan ela permaneceu por uma semana e, em Ayan, por outras três.

Zara Rutherford era recebida nos locais de parada de sua viagem

Após uma parada não programada no aeroporto Rahadi Usman, na Indonésia, ela teve que dormir duas noites no terminal por não apresentar a documentação exigida pelas autoridades para deixar o local.

Apesar das dificuldades, incluindo o período de Natal e Ano Novo longe da família, ela pareceu animada em postagens nas redes sociais. Um outro desafio foi ter sobrevoado em meio à fumaça de um incêndio na Califórnia, costa oeste dos Estados Unidos.

Zara com poucos meses de vida, ao lado de sua mãe, que também é aviadora

O avião apresentou problemas de funcionamento ao cruzar o estado do Novo México, nos EUA, com a obstrução de um tubo pitot (instrumento de medição de altitude), e um pneu furado adiou os planos em Singapura, no Oceano Pacífico.

Outro momento de fortes emoções vivido por Rutherford durante a viagem ocorreu em Veracruz, no México, quando ela percebeu um terremoto enquanto estava no quarto do hotel, no sexto andar. “De repente o prédio começou a balançar. Acho que eu nunca desci as escadas tão rapidamente. Achei que a parte mais perigosa da viagem seria pelo ar”, ironizou.

Modelo feito na Eslováquia conta com dois lugares e trem de pouso retrátil

O Shark Aero UL (de ultra-light) pilotado por Sara nesta viagem é um ultraleve de alto desempenho, com dois assentos em linha, dotado de trem de pouso retrátil, pequena área alar, hélice de passo variável e interior de primeira classe no cockpit. De acordo com a fabricante sediada na Eslováquia, região central da Europa, o “tubarão aéreo”, como pode ser traduzido o nome comercial do aeroplano, foi desenhado e construído para voos regionais, com base em um desenho inovador e tecnologias recentes.

O uso das mais avançadas técnicas de construção com materiais compósitos de fibra de carbono epoxy, bem como sua aerodinâmica otimizada exigentemente, faz do Shark um dos mais velozes ultraleves disponíveis atualmente, comprovado por um recorde mundial de velocidade e reconhecido por diversos prêmios de design.

Shark Aero é produzido como materiais compósitos de carbono e tem motor de 100 cv

O Shark Aero UL é impulsionado por um motor Rotax 912 ULS, de 100 cavalos de potência, que tem acoplada uma hélice Woodcomp de duas pás, com ajuste do passo (ângulo de inclinação em torno do próprio eixo das lâminas), o que permite variar a impulsão da aeronave conforme a fase do voo, altitude e condições climáticas, entre outros fatores.

Ainda de acordo com a empresa eslovaca, a aeronave combina baixo custo de operação; grande autonomia, por volta de 1.600 km; velocidade de cruzeiro excepcional de 259 km/h; longa vida útil e acesso a qualquer aeroporto público. Essas características fazem com que sua operação se mantenha no menor custo possível, e com a máxima facililidade de acesso a pontos de apoio, seja em trajetos curtos, médios, longos ou até para a volta ao redor do globo.

Zara Rutherford ainda no início da “carreira” de aviadora

Sara Rutherford nasceu em 2002, em Bruxelas, na Bélgica, fruto da união do britânico Sam Russel, piloto aeronáutico profissional, com a belga Beatrice de Smet, advogada e, também, aviadora recreacional. Crescida entre aeroportos e cabines de comando, durante a infância Sara acompanhava seu pai em voos particulares, quando recebeu as primeiras “aulas práticas” ao manche, chegando a ela mesma conduzir o avião em inúmeras ocasiões.

Aos 14 anos de idade, ela começou a estudar para tornar-se piloto e conquistou sua licença em 2020, quando chegou à maioridade. A jovem aviadora completou a graduação chamada de A Levels (equivalente ao Ensino Médio, no Brasil), com ênfase em matemática, economia e física, na  St. Swithun’s School, escola para meninas localizada em Winchester, na Inglaterra. Veja o resumo da trajetória de Rutherford desde a infância até a viagem do recorde nessa coletânea de reportagens ao redor do mundo:

“Voar é algo muito natural para mim”, disse ela durante uma entrevista para uma TV inglesa, poucos dias antes de partir para a maior aventura da sua vida – até o momento.

É que Sara sempre teve como um de seus grandes sonhos – juntamente com a viagem ao redor do mundo – tornar-se astronauta, o que uniria suas duas paixões: voar e as ciências exatas. Alguém duvida que ela vai chegar lá?

Fontes: BBC Brasil, FlyZolo, Shark Aero e Virgin I Tradução e edição: Fábio Ometto I Imagens: Divulgação e reprodução da internet




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