Ayrton Senna nunca escondeu seu profundo amor pelo país onde nasceu. Tanto, que era para cá que ele escapava sempre que podia para, junto da família, se isolar da pressão permanente da vida dentro da Fórmula 1. No entanto, sua relação com o Grande Prêmio do Brasil nunca foi fácil. A estreia aconteceu em 1984, ainda no circuito de Jacarepaguá, no Rio de Janeiro, mas foi apenas depois de sete anos, e já com a prova de volta para São Paulo, que ele finalmente desencantou e conquistou a primeira vitória diante dos fanáticos torcedores brasileiros, naquela tarde chuvosa – mas iluminada – de 24 de março de 1991.
Senna havia completado 31 anos na antevéspera da corrida, porém não quis festa. Seu maior presente, segundo ele mesmo, seria vencer pela primeira vez no Brasil, ainda mais em Interlagos, uma pista que ajudou a redesenhar e que, desde então, o homenageia em uma de suas curvas, o Esse do Senna.
Bem ao seu estilo, seu primeiro triunfo no Grande Prêmio do Brasil foi um caso de alto risco e profundamente dramático.
Inicialmente, as coisas pareciam bem encaminhadas. Na véspera da prova, Ayrton colocou o McLaren Honda MP4/6 na pole-position, separado por apenas 0.383 dos poderosos Williams Renault FW14 de Ricardo Patrese e Nigel Mansell.
A corrida começou debaixo de sol forte, e Senna rapidamente se estabeleceu na liderança, abrindo distância de Patrese e do próprio companheiro de equipe Gerhard Berger, resistindo, também, aos ataques de Mansell, até que este perdesse muito tempo por causa de um pneu furado e, posteriormente, tivesse de deixar a prova por conta da quebra do câmbio do Williams nº 5 , não sem antes ter protagonizado uma rodada espetacular.
Mas, lá na frente, faltando 20 voltas para o final da corrida, as coisas complicavam para Senna, que também começava a sofrer com o mau funcionamento da caixa de mudanças do McLaren. E, para piorar, na volta de nº 51 (do total de 71), começou a garoar, complicando ainda mais a prova já bastante tensa. Normalmente, isso não seria um problema para o piloto brasileiro – muito pelo contrário -, mas com as dificuldades para engatar as marchas, a tração e a confiabilidade do carro se tornaram ainda mais importantes. Senna vinha registrando consistentemente o tempo na casa de 1min21 por volta antes da chuva, mas assim que a pista começou a ficar úmida seu ritmo caiu em cerca de dois segundos.
Ao mesmo tempo, as dificuldades com o câmbio – manual naquela época, vale lembrar – só aumentavam. As marchas estavam desengatando sozinhas e Ayrton sofria para conseguir efetuar as trocas a cada redução antes das curvas. Até que na volta 65, ele preferiu pilotar em segurança e conduziu o carro apenas em sexta marcha, a única que não apresentava problema. E isso ficou refletido claramente na repentina queda no ritmo de corrida, assim que ele começou a se deparar com as perdas de tração e de aderência do carro, e sem qualquer torque em baixas rotações do poderoso motor V-12 japonês, já que não podia usar as marchas mais curtas.
Mas é aqui que as coisas começam a ficar interessantes. Tal como qualquer outro grande piloto, Ayrton adaptou seu estilo de pilotar às dificuldades e voltou a abrir três segundos de distância para Patrese.
Nas voltas anteriores, já com a pista molhada, quando o problema de câmbio do carro de Senna começou a se manifestar, o italiano acelerou o ritmo e começou a se aproximar do líder, chegando a descontar até seis segundos a cada passagem pela linha de chegada.
Sobre a mureta que separa a pista e os boxes, os engenheiros da equipe Williams, completamente molhados, vislumbravam a chance de tomar a vitória do piloto brasileiro, gritando e incentivando Patrese a partir para o ataque. Enquanto isso, Senna sofria também com o desgaste físico no cockpit do McLaren, acentuado pelo cinto de segurança muito apertado (algo que ele mesmo solicitava ao lhe afivelarem no carro), tornando sua conduta ao volante uma mistura de impotência com persistência.
Ao passar pela reta de chegada, ele podia ver os rostos preocupados sobre o muro dos boxes da McLaren, junto com a placa mostrando que a distância para Patrese caía dramaticamente. Naquele momento, passava pela sua cabeça que o Grande Prêmio do Brasil, mais uma vez, iria escapar de suas mãos.
Mas então, milagrosamente, a distância se estabilizou. Ainda assim, Ayrton teria de pilotar além de sua capacidade física naquelas voltas finais para garantir que Patrese não tivesse a menor fração de oportunidade. A partir daí, com a chuva aumentando, a cada vez que cruzava a linha de chegada Senna apontava para o céu, insistentemente, na intenção de que o diretor de prova determinasse a bandeira quadriculada com uma ou duas voltas de antecedência – algo que ele não fez.
Controlando a fadiga, as câimbras, a pressão e, finalmente, o alívio, Senna cruzou a linha de chegada apenas 2.991 segundos à frente de Patrese. Exausto pelo esforço extraordinário, ele precisou de ajuda para sair do carro e subiu ao pódio visivelmente extenuado pelos espasmos e dores pelo corpo.
Contudo, se o esforço foi sobrehumano, a recompensa valeu a pena. Em mais um momento de superação física e mental, Ayrton, enfim, levantava o troféu de vencedor diante da multidão de brasileiros, após uma das exibições mais impressionantes de sua carreira na Fórmula 1.
Na entrevista, logo depois do pódio e do banho de champanhe que ele mesmo se deu, Senna explicou o que de fato aconteceu, relatando com detalhes a perda das marchas e o seu desgaste físico e psicológico.
“Faltando 20 voltas para o final eu tive problemas graves com o câmbio: perdi as terceira e quinta marchas e, de repente, usava somente a sexta, nas últimas sete voltas. Eu notei o Patrese se aproximando de mim e cheguei a pensar que não venceria. No entanto senti que tinha obrigação de vencer aqui no Brasil e assim consegui levar o carro, apesar da chuva que caiu no final da corrida. Eu ainda tive espasmos musculares e câimbras nos ombros e pescoço porque o cinto de segurança estava muito apertado, mas também por causa da emoção!”
Ao deixar Interlagos, Ayrton retornou para a residência da família do outro lado da cidade, na zona norte de São Paulo, escoltado por policiais, devido à multidão que se aglomerava em frente à casa assim que a transmissão de tv terminou. Em seguida, já em cima do muro que cercava o imóvel, Senna acenou para a multidão.
Dois dias depois, quando os equipamentos chegaram na sede da McLaren, em Woking, na Inglaterra, a equipe abriu o câmbio do carro. Segundo o relato de um dos mecânicos “Havia anéis sincronizadores quebrados e faltavam dentes nas engrenagens”.
Ao final da temporada de 1991, Senna conquistou o último de seus três títulos na F1, com sete vitórias nas 16 etapas do calendário. Em 1993, em seu ano de despedida da McLaren, o tricampeão venceu pela segunda vez o Grande Prêmio do Brasil e, novamente, de forma emocionante. Mas esta já é uma outra história.
Fonte: McLaren, portal Ayrton Senna e Wikipedia I Tradução e edição: Fábio Ometto I Imagens: Divulgação e redes sociais