Meio século depois de alinhar pela última vez seus bólidos vermelhos entre os protótipos de ponta da 24 Horas Le Mans, a campeoníssima Ferrari anuncia o retorno ao pelotão de frente das corridas de longa duração, tão emblemáticas para sua imagem vitoriosa dentro das pistas quanto a Fórmula 1.
A partir de 2023, o escudo do Cavallino Rampante estará no páreo da Le Mans Hypercar (LMH), mais nova e veloz categoria do Campeonato Mundial de Endurance – o FIA World Endurance Championship (WEC) -, e joia da coroa de sua etapa mais famosa, que se estende de um sol a outro no circuito de La Sarthe, na França. A LMH estreou no ano passado e agrupa os chamados hipercarros, que são protótipos ou modelos de produção limitada com propulsão híbrida (combustão/elétrica), potência máxima de 500 kW (680 cv) e tração nas quatro rodas. Na corrida de Le Mans deste ano, em junho, a velocidade final dos carros da LMH chegou aos 342,3 km/h, contra 330,8 km/h da LMP2, a segunda divisão de protótipos mais veloz do WEC.
A macchina responsável por representar a Casa de Maranello na LMH é a futurista Ferrari 499P, construída sobre um novo chassi monocoque de fibra de carbono e que incorpora soluções da vanguarda da tecnologia dos esportes a motor, segundo a marca.
Seu nome é inspirado na tradição da Ferrari em identificar seus protótipos do passado com a inicial “P”, seguida pela centena que indicava o volume interno (em cm³) de cada cilindro dos motores V-8 com aspiração atmosférica utilizados na época, como as lendárias P330 e P412.
No caso da 499P, a unidade de força evolui para a configuração V-6, biturbo e, de forma inédita, combinada a um auxiliar elétrico, totalizando quase mil cavalos de potência bruta.
Vista de frente, a hiper Ferrari chama a atenção pelas amplas janelas de ventilação, que alimentam as câmaras de combustão e propiciam o ar de resfriamento para a bateria e a caixa de câmbio. Elas conferem o caráter agressivo ao nariz da 499P, junto com os faróis horizontais de LED e ao spoiler com borda de ataque organicamente recortada.
Com o apoio do Ferrari Styling Centre (departamento de customização dos carros da marca, instalado dentro da fábrica), as características técnicas e aerodinâmicas da 499P foram realçadas através de formas simples e linhas alongadas, trazendo de volta a expressividade das antigas berlinetas da Ferrari, porém atualizada para o design contemporâneo.
As caixas de ar nas laterais do habitáculo abrigam os radiadores do trem de força, conectando-se de maneira fluida aos paralamas; acima desses, tanto na frente quanto atrás, grandes saídas de ar em preto fosco, voltadas para a traseira do carro, reduzem o fluxo gerado pelas rodas, calçadas com pneus Michelin Pilot Sport.
A parte traseira da 499P é uma combinação perfeita de tecnologia, aerodinâmica e design. O vistoso aerofólio com dupla lâmina horizontal garante a pressão aerodinâmica descendente (downforce) necessária para o máximo desempenho. Ele apoia, ao centro, um divisor vertical que se estende desde a cabine, cuja função é proporcionar maior estabilidade ao carro em trechos de altíssima velocidade, que passa dos 340 km/h.
Logo abaixo da imensa asa, uma estreita barra de luzes de LED atravessa toda a largura do carro, onde estão incorporadas as iluminações de frenagem e noturna. O arsenal aerodinâmico é completado pelo extrator instalado parte final do assoalho, em fibra de carbono aparente, cujo formato cônico pela metade, voltado para baixo, acelera a passagem do ar sob o carro, criando um efeito de sucção que aumenta sua aderência contra o solo.
A geometria da suspensão de haste dupla resulta em qualidades extraordinárias de rigidez e de amortecimento, otimizando o desempenho tanto em velocidade máxima quanto no miolo dos circuitos, ressalta a Ferrari. Os sistemas eletrônicos foram desenvolvidos a partir da experiência acumulada nas corridas de GT (Grã Turismo) e aperfeiçoados.
Tão sofisticado quanto os itens acima é o conjunto de frenagem fornecido pela também italiana Brembo, associado ao sistema de recuperação de energia, como detalhado adiante.
O coração bivalente da Ferrari 499P é formado por um sistema de propulsão híbrido, que combina o motor a combustão interna (ICE), instalado na parte traseira do carro, com outra unidade elétrica, posicionada sob o tanque de combustível, logo atrás do assento do piloto. Derivado da família V-6, o motor a gasolina compartilha a arquitetura da unidade montada na Ferrari 296 GT3 – com ângulo de 120° entre as duas bancadas de cilindros, cada uma delas sobrealimentada por um turbocompressor -, porém com a potência máxima limitada a 500 kW (680 cv), como determina o regulamento da categoria LMH.
Além de passar por uma profunda revisão pelos engenheiros da Ferrari, visando não apenas o aumento de desempenho, mas, também, a redução de peso, o V-6 ganhou função estrutural na 499P, passando a integrar o chassi do carro – solução de construção tipicamente empregada em protótipos de competição e monopostos do tipo fórmula, que resulta em leveza e rigidez.
O segundo “ventrículo” adicionado conjunto motriz é uma unidade elétrica que adiciona 200 kW (271 cv), com atuação apenas nas rodas dianteiras. Com isso, a potência combinada da 499P é de 952 cv, mas limitado na entrega para as rodas. Completando o trem de força, motor V-6 é acoplado a uma caixa de câmbio sequencial de sete velocidades, enquanto a unidade elétrica possui transmissão própria e com diferencial, que sincroniza os movimentos das rodas motrizes quando o carro percorre uma curva.
A energia que alimenta o motor auxiliar vem de uma bateria de alta capacidade, com voltagem nominal de 900 volts. A recarga é feita por meio do sistema ERS (de Energy Recovery System),que reaproveita o movimento dos discos durante as frenagens para acionar pequenos geradores, os quais convertem a energia cinética em eletricidade, dispensando recorrer a fontes externas (como no cado dos híbridos do tipo plug-in, que se conectam à rede elétrica). A tecnologia também se beneficia da experiência adquirida pela Scuderia Ferrari na F1, mas projetada especificamente para a 499P.
O gerenciamento das atividades de pista das duas Ferrari 499P ficará nas mãos dos técnicos e engenheiros de Maranello, com colaboração da AF Corse, equipe oficial da marca italiana no Mundial de Endurance desde a sua primeira temporada, em 2012. Entre os pilotos titulares da AF Corse na classe LM GTE Pro está o brasileiro Daniel Serra, tricampeão de Stock Car.
A estreia oficial do hipercarro de Maranello nas competições acontecerá na Mil Milhas de Sebring, primeira das seis etapas da temporada do FIA WEC 2023, marcada para o dia 17 de março. A pintura seguirá o famoso padrão de cores da 312 P, para reforçar a conexão histórica com o carro de 50 anos atrás. Um dos protótipos será identificado pelo nº 50, enquanto o outro usará o 51, um dos números de corrida de maior sucesso na história da Ferrari. A escalação dos pilotos que conduzirão os dois protótipos será anunciada futuramente.
Além da Ferrari, outras fabricantes tradicionais estão confirmadas no grid da LMH para a próxima temporada, como a japonesa Toyota, bicampeã, que ao lado da francesa Alpine e da estado-unidense Glickenhaus, que disputa a categoria desde a sua criação em 2021.
Outras concorrentes com histórico vencedor no Endurance serão a Porsche, que retorna à competição principal do WEC após cinco anos, em associação com a equipe Penske, assim como a Peugeot, de volta depois de dez anos. E, por fim, a estreante Cadillac, que representará toda a tradição da General Motors nas pistas, em parceria com a equipe Chip Ganassi.
Serão rivais tão desafiadores para a Ferrari quanto os que valorizaram a sua gloriosa trajetória de décadas atrás nas corridas de longa duração. Até 1972, quando abriu mão de medir forças em Le Mans – por discordâncias com o novo regulamento apresentado naquele ano, passando, em seguida, a concentrar seus esforços na F1 -, a Casa de Maranello lotou uma sala inteira com troféus conquistados nas provas de endurance.
Entre eles, se destacam os obtidos nas nove vitórias gerais em Le Mans, o épico 1-2-3 na 24 Horas de Daytona de 1967, nos EUA, e os 22 títulos no Mundial de Carros Esportivos.
Fonte: Ferrari I Edição: Fábio Ometto I Imagens: Divulgação