Dos males, o melhor. O que parecia ser o fim do sonho da Ferrari em engatar a segunda vitória consecutiva na 24 Horas de Le Mans, disputada neste fim de semana (15 e 16), acabou se tornando a passagem para a equipe italiana anular as chances dos rivais e receber a bandeira quadriculada na primeira posição, finalizando no alto do pódio mais um capítulo dramático e glorioso na história do automobilismo mundial.
O incidente que acabou decidindo o resultado aconteceu quando faltava apenas 1h43m para o final da corrida, válida como a quarta etapa da temporada de 2024 do FIA WEC, o Campeonato Mundial de Endurance.
Naquele momento, debaixo de chuva moderada em alguns pontos do circuito de la Sarthe, com seus 13.650 metros, o dinamarquês Nicklas Nielsen conduzia a Ferrari 499P nº 50 na liderança da categoria Hypercar e na classificação geral, quando foi intimado a se encaminhar para o box pela direção de prova, sob pena de exclusão.
A determinação era que ele parasse para travar a porta direita do carro, que teimava em se abrir nas curvas, podendo causar um acidente de sérias consequências caso se soltasse a quase 350 km/h. Embora já tivesse sido advertido pela equipe via rádio, o piloto não conseguiu resolver o problema com o carro em movimento.
Com dois pit stops previstos, ainda, para abastecer o tanque, porém ainda cedo para cumprir o primeiro deles, os engenheiros da AF Corse, parceira oficial da fábrica da Ferrari no WEC, recalcularam a rota rapidamente e partiram para uma estratégia ousada para o carro nº 50.
Aproveitando a parada para solucionar o problema da porta, a equipe antecipou o penúltimo reabastecimento, torcendo por uma bandeira amarela até o final da corrida ou para que Nielsen usasse o acelerador com moderação, a fim de levar o carro até o final com apenas mais uma parada.
Enquanto isso, os concorrentes ainda com chance de vitória naquele momento – os dois Toyota GR010 Hybrid de fábrica, com os números 7 e 8, e a outra Ferrari oficial, nº 51 – teriam de parar mais duas vezes, também.
Nielsen retornou na quinta posição, cedendo a liderança para o hipercarro japonês (nº 7) conduzido pelo argentino José María López, o Pechito. Seis voltas depois, Nielsen reassumiu a ponta com a penúltima parada dos rivais.
E não é que a aposta italiana deu bingo? Com o ponteiro do combustível cada vez mais próximo da reserva ao longo da última meia hora de corrida, Nielsen soube dosar a energia disponível no carro com sabedoria, aliviando o pé direito nos trechos de baixa velocidade, enquanto nos pontos de alta extraia o máximo proveito do motor elétrico instalado nas rodas dianteiras, que entra em ação acima dos 190 km/h.
Assim, o dinamarquês imprimiu um ritmo seguro o bastante para manter o Toyota de Pechito no retrovisor e se defender das investidas do argentino, levando a Ferrari 499P que dividiu com o espanhol Miguel Molina e o italiano Antonio Fuoco até a linha de chegada na primeira posição, completando as 24 horas de prova com 311 voltas. Vale mencionar que a prova foi interrompida durante a madrugada, devido à forte chuva em alguns pontos da pista.
Em 2023, esse mesmo trio da Ferrari 499P nº 50 cravou a pole position, mas acabou a prova centenária na segunda posição, atrás do carro gêmeo da equipe (nº 51), coroando com dobradinha o retorno do Cavallino Rampante à classe principal da 24 Horas de Le Mans após cinco décadas.
De volta à prova deste ano, a segunda colocação ficou com o GR010 Hybrid nª7 da Toyota Gazoo Racing, que além de López, teve ao volante o chefe de equipe Kamui Kobayashi e o holandês Nyck de Vries. O pódio foi completado pela tripulação do outro carro oficial da Ferrari – Giovinazzi, Guidi e Calado –, com a mesma formação que se sagrou campeã da prova no ano passado.
O Porsche Penske 963 nº 6, conduzido por André Lotterer (ALE), Laurens Vanthoor (BEL) e Kévin Estre (FRA), que largou da pole position nos hipercarros (e geral), perdeu a liderança para a Ferrari 499P nº 51 já na primeira volta e terminou a corrida em quinto na classificação geral.
O triunfo na classe LMP2 ficou com a United Autosports e o protótipo nº 22, pilotado por Oliver Jarvis, Bijoy Garg e Nolan Siegel.
A classe GT3 foi vencida por Richard Lietz, Morris Schuring e Yasser Shahin, da equipe Manthey EMA, representante oficial da Porsche na categoria.
FERRARI EM LE MANS
A conquista de Nielsen, Molina e Fuoco marca a 11ª vitória geral da Casa de Maranello na clássica maratona de resistência francesa, bem como a segunda consecutiva após o triunfo em 11 de junho de 2023, com o 499P nº 51. As vitórias anteriores foram em 1949, 1954, 1958 e, ininterruptamente, de 1960 a 1965. O recorde em Le Mans também inclui 29 vitórias nas diferentes categorias, num total de 40 vitórias.
A primeira posição na 24 Horas de Le Mans de 2024 aconteceu apenas três semanas após Charles Leclerc vencer o GP de Fórmula 1 de Mônaco, também pela Ferrari. Com isso, a escuderia vermelha é a primeira fabricante a subir ao degrau mais alto do pódio em duas das corridas mais prestigiadas do mundo no mesmo ano desde 1934. Junto com Indianápolis 500, esses dois eventos esportivos compõem a chamada “Tríplice Coroa do Automobilismo”.
“Fantástico! Realmente é um sonho tornado realidade”, exclamou Nicklas Nielsem, logo após saltar do cockpit da 499P. “A vitória pareceu muito difícil durante parte da corrida, mesmo no final, quando tivemos um problema na porta. Mas então tudo correu bem. Estou sem palavras. Estou muito orgulhoso de todos. A última volta foi muito longa, impossível de imaginar. Me preocupei em evitar riscos e chegar à linha de chegada o mais rápido possível. Eu só tive que gerenciar a liderança”, relatou o mais novo campeão de Le Mans.
Para o companheiro Antonio Fuoco, o fim de semana foi perfeito: “Acho que merecemos esta vitória. Foi uma longa espera desde o ano passado, para que possamos aproveitar ao máximo.
Por fim, Miguel Molina também não cabia em si: “Trabalhamos muito para atingir esse objetivo. Há muito que queríamos esta vitória. Percebemos que tínhamos chance de lutar pela vitória e demos tudo. Estou muito feliz porque é o melhor dia da minha carreira desportiva!”
E OS BRASILEIROS?
Dos seis pilotos do Brasil presentes no grid de Le Mans este ano, o melhor resultado foi conseguido pelo paranaense Augusto Farfus, da equipe oficial da BMW na categoria GT3. Ele cruzou a linha de chegada na segunda posição com o cupê M4 LMGT3 do Team WRT, faturando seu primeiro pódio na prova, ao lado de Sean Gelael e Darren Leung.
Em sua estreia na 24 Horas, Nicolas Costa, do Rio de Janeiro, conseguiu andar entre os primeiros na GT3 com o McLaren da United Autosports, que chegou a liderar o pelotão, antes de carro conduzido também por Grégoire Saucy e James Cottingham deixar a prova por problema no câmbio.
Outro paranaense, Felipe Drugovich, também viveu um fim de semana de muito aprendizado em seu debute na 24 Horas de Le Mans. Ao lado do paulista Pipo Derani, que participou da corrida pela nona vez, “Drugo” conduziu o Cadillac V-Series.R, da equipe Whelen Cadillac Racing na categoria principal (Hypercar).
No entanto, quando vinha em 14º, o estreante perdeu o controle do carro e rodou, levando o Cad vermelho nº 311 a finalizar na 16ª posição na prova.
O brasiliense Felipe Nasr não completou a prova depois de escapar com o carro quando restavam seis horas para a bandeirada em La Sarthe, mas registrou a maior velocidade final da prova: 344,5 km/h.
24 HORAS DE LE MANS 2024
CLASSIFICAÇÃO FINAL
HYPERCAR
1º – Antonio Fuoco (ITA) / Miguel Molina (ESP) / Nicklas Nielsen (DIN) – Ferrari 499P #50, Ferrari AF Corse, 311 voltas
2º – José María López (ARG) / Kamui Kobayashi (JAP) / Nyck de Vries (HOL) – Toyota GR010 – Hybrid #7, Toyota Gazoo Racing, a 14s221
3º – Sébastien Bourdais (FRA) / Renger Van der Zande (HOL) / Scott Dixon (NZL) – Cadillac V-Series.R #3, Cadillac Racing, a 36s730
4º – Antonio Giovinazzi (ITA) / Alessandro Pier Guidi (ITA) / James Calado (GBR) – Ferrari 499P #51, Ferrari AF Corse, a 37s897
5º – Kévin Estre (FRA) / André Lotterer (ALE) / Laurens Vanthoor (BEL) – Porsche 963 #6, Porsche Penske Motorsport, a 1min02s824
LMP2
1º – Oliver Jarvis (GBR) / Bijoy Garg (EUA) / Nolan Siegel (EUA) – United Autosports #22, 297 voltas
2º – Jakub Smiechowski (POL) / Vladislav Lomko / Clément Novalak (FRA) – Inter Europol Competition #34, a 18s651
3º- Paul Lafargue (FRA) / Job van Uitert (HOL) / Reshad de Gérus (FRA) – IDEC Sport #28, a 33s222
4º – François Perrodo (FRA) / Ben Barnicoat (GBR) / Nicolas Varrone (ARG) – AF Corse #183, a 35s036
5º – Ryan Cullen (GBR) / Patrick Pilet (FRA) / Stéphane Richelmi (MCO) – Vector Sport #10, a 39s149
GT3
1º – Richard Lietz (AUT) / Morris Schuring (HOL) / Yasser Shahin (AUS) – Porsche 911 GT3 R LMGT3 #91, Manthey EMA, 281 voltas
2º – Augusto Farfus (BRA) / Sean Gelael (IDN) / Darren Leung (GBR) – BMW M4 LMGT3 #31, Team WRT, a 1 volta
3º – Dennis Olsen (NOR) / Mikkel Pedersen (DIN) / Giorgio Roda (ITA) – Ford Mustang LMGT3 #88, Proton Competition, a 1 volta
4º – John Hartshorne (GBR) / Ben Tuck (GBR) / Christofer Mies (ALE) – Ford Mustang LMGT3 #44, Proton Competition, a 1 volta
5º – Rahel Frey (SUI) / Sarah Bovy (BEL) / Michelle Gatting (DIN) – Lamborghini Huracan LMGT3 Evo2 #85, Iron Dames, a 2 voltas
Melhor volta: Kamui Kobayashi, Toyota GR010 – Hybrid nº 7, Toyota Gazoo Racing, com 3min28s756.
CAMPEONATO
Após as quatro as primeiras etapas, a Porsche lidera a classificação de Construtores, com 108 pontos. Com a vitória em Le Mans, a Ferrari soma 50 pontos e assume a vice-liderança, com 88.
Entre os pilotos, a primeira posição apresenta o trio da Porsche formado por André Lotterer (ALE), Laurens Vanthoor (BEL) e Kevin Estre (FRA), que somam 99 pontos, individualmente. Os vencedores no domingo, Fuoco, Molina e Nielsen, estão em segundo lugar, com 90 pontos, cada.
Reveja os melhores momentos da eletrizante conquista do bicampeonato pela Ferrari neste compacto divulgado pela própria organização do FIA WEC (legendado):
Passadas as emoções das 24 Horas mais famosas do automobilismo mundial, agora é a vez do Brasil entrar no circuito do FIA WEC.
O “espírito de Le Mans” voltará ao país depois de dez anos com a disputa da Rolex 6 Horas de São Paulo, evento que acontece em Interlagos entre 12 e 14 de julho e marca a quinta etapa da temporada. Os ingressos estão à venda, com preços a partir de R$ 49,50.
UNIVERSO MOTOR I Redação
Edição: Fábio Ometto I Fonte: FIA WEC São Paulo, Ferrari Global I Imagens: Divulgação
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