Quando um modelo da Porsche recebe a designação RSR não há dúvidas: o carro é feito para correr, para entregar o máximo desempenho nas pistas e oferecer a melhor combinação de eficiência e dirigibilidade.
Nos últimos 47 anos, o 911 com a insígnia RSR na traseira – que é a junção dos acrônimos de Rennsport, ou “esportivo de corrida”, traduzido do alemão, e de Racing, que significa “automobilismo”, em inglês – desenvolvido especificamente para competição, tem brigado por vitórias e títulos nos maiores desafios automobilísticos do mundo, e com enorme sucesso.
O primogênito dessa dinastia de puros-sangues é o 911 Carrera RSR 2.8, criado com base no Carrera RSR 2.7 como protótipo, para atender às regras do Grupo 4 da FIA (Federação Internacional do Automóvel) na temporada de 1973. E, vale o registro, Carrera, em espanhol, também significa “corrida”.
Comparado ao modelo de produção, as novas características eram notadas nas rodas traseiras, que foram alargadas em 50 milímetros, na capacidade do motor horizontal de seis cilindros opostos – conhecido como Boxer, por causa do movimento dos pistões semelhante ao dos punhos de um lutador da nobre arte -, aumentada por meio do maior diâmetro das câmaras de combustão, e, por fim, no chamado “rabo de pato”, sobre a tampa do motor, que evoluiu para uma efetiva asa traseira.
No entanto, ao desenvolver o 911 Carrera RSR 2.8, os engenheiros da Porsche conseguiram realizar um feito. Apesar da introdução de muitos itens de segurança, incluindo a gaiola de aço anticapotagem (santantonio) e a instalação de um grande tanque de combustível com capacidade de 120 litros, o protótipo de corrida se manteve em torno dos 900 kg.
Isso equivale a dizer que o modelo de competição era um “peso-leve”, como o próprio modelo de série Carrera RS, do qual derivava. Os técnicos atingiram essa meta porque, já nos anos 1970, estavam utilizando materiais de ponta. As portas, tampa dianteira e janelas laterais, por exemplo, eram feitas de plástico. Ao mesmo tempo, o primeiro RSR não era apenas leve, mas, também, esguio e curto.
Os protótipos de 1973, com motores de 2,8 litros, naturalmente aspirados e posicionados depois do eixo traseiro, geravam 294 cavalos de potência e 30 kgf.m de torque máximo, 4 kgf.m a mais do que o original. Para isso, a unidade original de 2,7 litros que equipava o Carrera RS, de série, passou por pequenas modificações, apenas. O diâmetro dos cilindros foi aumentado de 90 para 92 mm, enquanto o curso de 70,4 mm permaneceu fiel ao da configuração de rua. A compressão de 10,3:1 pode ser vista como moderada para os padrões atuais. Fora isso, na versão de corrida, o radiador de óleo era instalado na dianteira do veículo.
Naquele mesmo ano, o 911 Carrera RSR 2.8 comemorou sua estreia de forma impecável, levando os pilotos estado-unidenses Hurley Haywood e Peter Gregg a conquistar a vitória geral na 24 Horas de Daytona.
Ainda assim, durante sua primeira temporada nas pistas, a Porsche lançou uma variante do RSR, impulsionada pela versão de três litros do mesmo motor boxer, que alcançava 330 cv. E, novamente, o modelo disse a que veio logo em sua primeira participação na pista, obtendo uma convincente vitória em sua categoria na 24 Horas de Le Mans, e a quarta posição na classificação geral.
Pouco tempo depois, uma nova configuração do RSR foi criada, trazendo sob o capô traseiro a primeira versão turbo do boxer, com 2,1 litros de deslocamento. Assim, o RSR turbinado foi o primeiro modelo sobrealimentado a fazer história em Le Mans. No entanto, a unidade com maior cilindrada e naturalmente aspirada continua sendo sagrada para os puristas e a combinação preferida, ainda atualmente, para as competições de Grã Turismo.
Salto no tempo. Passados 45 anos, nasce a atual geração do 911 RSR, o modelo 2019, movido por uma unidade de seis cilindros com 4,2 litros, refrigerado a água – o maior motor boxer já instalado num Porsche de corrida feito na fábrica.
No novo Porsche 911 RSR – que é baseado no 911 GT3 RS, legalizado para as ruas -, o motor foi montado à frente do eixo traseiro, para melhor distribuição do peso.
Em versão de corrida, o boxer 4.2 do RSR gera em torno de 522 cv, potência restringida por exigências de regulamento para participar do World Endurance Champonship (WEC), que é o atual Campeonato Mundial de Resistência da FIA, e da série International Motor Sport Association (Imsa), nos Estados Unidos.
O torque mais do que dobrou em comparação com o Porsche 911 Carrera RSR 2.8 – com um significativo aumento de eficiência. O primeiro RSR trazia caixa de mudanças manual de série, do tipo 915, com cinco marchas.
Atualmente, a força do motor é transmitida para os semieixos por meio do câmbio sequencial de seis velocidades, com engrenamento constante, controlado eletronicamente pelo sistema drive-by-wire (sem cabo de acelerador).
As marchas podem ser trocadas através do comando elétrico, com interrupção de potência de apenas milésimos de segundo.
Para o piloto de fábrica do Grupo Volkswagen (ao qual a Porsche é filiada), o francês Romain Dumas, a maior diferença entre aquela época e a de hoje é exatamente nessa área.
“No passado, quando você reduzia, tinha que pôr o pé esquerdo na embreagem e o direito no freio e no acelerador, ao mesmo tempo (técnica conhecida como “punta-taco”). Nada funcionava sem uma dupla debreagem (uma para desengatar a marcha, e outra para acionar a próxima). Era como um sapateado. Mais ainda, a mão direita tinha que estar na alavanca do câmbio. Isso era muito desafiante”, relembra o atual recordista de Pikes Peak, com o protótipo elétrico Volkswagen I.D. R.
A atual geração do RSR é cerca de meio metro mais larga, 40 centímetros mais longa e tem 30 cm a mais de distância entre os eixos. É como se o Asterix se tornasse Obelix, mas sem perder sua agilidade – jamais! Ao contrário: as amplas opções de ajustes dinâmicos do Porsche 911 RSR 2019 garantem os melhores acertos do chassi e do trem de força para todas as características e condições de pista. Além disso, a distribuição de peso otimizada, com o motor montado à frente do eixo traseiro, traz sensíveis vantagens.
“Nos novos carros, não temos mais aqueles enormes movimentos de rolagem, nem a forte saída de traseira. Mas essas coisas são muito divertidas”, diz o austríaco Richard Lietz, experiente piloto de fábrica. E acrescenta: “O primeiro RSR é meu favorito de todos os tempos. Guiar esse carro no limite é maravilhoso. Um carro assim pede para andar rápido. Com todos os modelos RSR, esse é um comportamento próprio de sua espécie, por assim dizer.”
Os avanços técnicos dos modelos Porsche RSR ficam claramente evidentes no cronômetro. Em 1973, o holandês Gijs van Lennep e o suíço Herbert Müller conquistaram a vitória na categoria e o quarto lugar na classificação geral na 24 Horas de Le Mans, registrando um tempo médio de 4min20s por volta. Os tempos de classificação foram em torno de cinco segundos mais rápidos. Com 13.640 km de percurso na época, o mítico circuito de la Sarthe ainda não tinha chicanas na legendária reta de Mulsanne.
Atualmente, no longo percurso entre a curva de Tertre-Rouge até a próxima tangência, os veículos são contidos duas vezes por meio de chicanes. O traçado de Le Mans, hoje, é só 14 metros mais curto do que em 1973, mas os tempos são muito diferentes. Em 2018, o piloto italiano de fábrica Gianmaria Bruni estabeleceu um novo recorde de classificação para carros GTE, com 3min47s504.
Com clima e condições de pista favoráveis, a marca alemã acredita que o modelo 2019 do Porsche 911 RSR será igualmente veloz em sua estreia em Le Mans, programada para o próximo mês de setembro. Alguém duvida?
Fonte: Porsche do Brasil I Edição: Fábio Ometto I Imagens: Divulgação