Embarcar em Cumbica pela manhã, participar daquela reunião em Nova Iorque tão importante que não dava para acontecer pela internet, e pegar o próximo voo a tempo de dormir na sua cama. Ou, quem sabe, curtir o fim de semana em Miami, Londres ou Paris, por exemplo, e estar de volta ao trabalho na segunda-feira, bem feliz e disposto. Que tal? Seriam ótimas pedidas, caso não fossem impraticáveis nos dias de hoje, para não dizer impossíveis. A menos que você tenha um jatinho dos mais rápidos à disposição. E ainda assim…
No entanto, a depender das empresas de inovação tecnológica integradas pela Virgin Galactic Holdings, a contagem regressiva para voos mais altos, literalmente, que vão nos oferecer possibilidades feito essas, já começou. Como sugere o nome da corporação, trata-se de mais uma investida do polivalente empresário britânico Richard Branson, fundador do grupo Virgin, com ramificações em selo musical, companhia aérea, trens, biocombustíveis e até o futuro turismo espacial, com a nave SpaceShipTwo, que promete levar pessoas comuns (e endinheiradas, obviamente) para passear em órbita da Terra já a partir do início de 2021.
Recentemente, essa divisão da Virgin voltada às estrelas – onde estão incluídas as startups The Spaceship Company (TSC), fabricante da nave espacial mencionada acima, e a própria agência de turismo orbital -, revelou as primeiras imagens virtuais do projeto de um avião de altíssima velocidade. E ponha velocidade nisso. Segundo a empresa, o desenho da aeronave em forma de delta (que lembra bastante, aliás, com o supersônico Concorde, lançado em 1969) partiu de alguns parâmetros técnicos, sendo o principal deles a capacidade de viajar acima da velocidade de Mach 3 – ou seja, de ser três vezes mais rápido do que o som, algo acima dos 3.672 km/h.
Para isso, o projeto também coloca como pré-condições a altitude de cruzeiro de 60.000 pés (18 km) – o que torna possível alcançar a velocidade desejada, como explicado adiante – e acomode 19 ocupantes, com assentos configurados em primeira classe e executiva, para que seja viável economicamente.
Apesar da proposta disruptivamente inovadora, levando a razão entre tempo e espaço a um outro nível, a nova cruzada de Sir Richard Branson – ordenado Cavaleiro do Império Britânico pela Rainha Elizabeth II, em 2000 – faz uma ponte com o que há de mais tradicional na indústria aeronáutica mundial ao se associar à Rolls Royce para desenvolver o sistema de propulsão da aeronave.
A parceria – revelada pela Virgin junto com as imagens iniciais do avião -, levou em conta, seguramente, a longa experiência da fabricante britânica, cujo currículo inclui o fornecimento de motores para o próprio Concorde; produzido pelo consórcio formado pela British Aircraft Corporation (BAC) e a francesa Aérospatiale, o quadrimotor a jato, com capacidade de até 120 passageiros, operou entre 1976 e 2003 e até hoje é o único avião comercial certificado para viajar acima da velocidade do som de 340 m/s – ou, traduzindo em milhares, superior à barreira de 1.224 km/h, conhecida na linguagem aeronáutica como Mach 1.
Outro apoio de peso ao projeto vem da gigante aeronáutica Boeing, dos Estados Unidos – país onde a Virgin Galactic também está sediada, sob o céu sempre azul do deserto do Novo México – a qual, junto com a fabricante de motores, dará o suporte à missão de transformar as viagens globais, com foco na experiência do cliente, afirma a empresa de Branson.
A apresentação do projeto do avião de alta velocidade da Virgin Galactic acontece após a conclusão bem sucedida do programa MCR (Mission Concept Review), etapa importante da fase inicial de projeto, que confirmou a compatibilidade do desenho da aeronave com os altos níveis de exigências e objetivos da missão, por meio de análises realizadas com a participação de representantes da Nasa, a agência espacial estado-unidense.
A próxima fase do desenho consiste na definição específica dos sistemas de arquitetura e determinar os materiais que serão utilizados na fabricação da aeronave. Segundo a Virgin Galactic, seus projetistas também trabalharão para atender os principais desafios relacionados à operacionalidade do futuro avião, tais como o gerenciamento térmico, manutenção, níveis de emissões e de ruídos, bem como os custos implicados nos voos comerciais de alta velocidade.
A Virgin Galactic afirma que a filosofia de design do avião é orientada para tornar as viagens de alta velocidade práticas, sustentáveis, seguras e confiáveis, ao mesmo tempo em que possui a experiência do passageiro como prioridade. O projeto está sendo previsto para diversos cenários de operação, incluindo serviços para passageiros em rotas comerciais de longa distância. Assim, o ultrassônico deverá decolar e aterrissar como qualquer outra aeronave de passageiros e se integrar às infraestruturas já existente nos aeroportos e no espaço aéreo internacional ao redor do mundo.
Inconcebível para um voo comercial nos dias de hoje, a capacidade meteórica de atravessar o espaço a 3.672 km/h projetada para o avião de alta velocidade da Virgin seria suficiente para cobrir os 7.681 km que separam o Central Park e o Parque do Ibirapuera no intervalo de apenas duas horas, reduzindo em 80% o entediante tempo de voo atual.
Já as viagens para visitar a terra dos Beatles ou o museu do Louvre poderiam ser feitas em cerca de duas horas e meia. E para dar um pulo na vibrante e ensolarada capital da Flórida bastariam pouco mais de 90 minutos – apenas meia hora a mais do que ponte aérea entre São Paulo e Rio de Janeiro, atualmente.
Como comparações, a velocidade prevista para o ultrassônico da Virgin pulveriza o recorde do jato mais veloz já produzido, pertencente ao avião-espião Lockheed SR-71 Blackbird, que cravou 3.529 km/h (Mach 3.3), em 1976, sobre a base aérea de Edwards, na Califórnia (EUA). E deixa mais para trás, ainda, o caça sueco Saab Gripen F-39E, escolhido para renovar a Força Aérea Brasileira a partir deste ano, quem tem máxima de 2.400 km/h – praticamente, Mach 2.
Entre os modelos comerciais, o Airbus A380, um dos jatos mais avançados do momento, com certificação para até 838 passageiros, tem velocidade de cruzeiro de 1.135 km/h e altitude máxima de 13.136 m. Já o ranking dos jatinhos executivos mais rápidos é liderado pelo Cessna Citation X+, capaz de alcançar riscar o céu a 978 km/h.
Além do extraordinário sistema de propulsão ainda a ser criado, o que permitirá ao avião ultrassônico da Virgin Galactic atingir a velocidade almejada será a capacidade de viajar na altitude de cruzeiro de 18 mil metros, possibilitando que ele se desloque, na maior parte do tempo, acima da troposfera. Para quem não se lembra das aulas de geografia, a massa gasosa que envolve a Terra, chamada de atmosfera, é dividida em cinco camadas: troposfera, estratosfera, mesosfera, termosfera e exosfera. Por ser a mais próxima da superfície terrestre, a troposfera também é a mais densa, concentrando 75% dos gases que formam o planeta, além de alcançar, nas regiões tropicais, até 17 km de altura em relação ao nível do mar.
Ao atingir a estratosfera e seu espaço mais rarefeito, portanto, a aeronave se deslocará com menor atrito contra o ar, o que resulta diretamente em maior velocidade, menor nível de ruído e, melhor ainda, queimando menos combustível, o que também reduz o rastro de emissões.
Contudo, apesar de nem ter saído do papel ainda, o arrojado avião da Virgin Galactic poderá estar totalmente superado já daqui a uma década pelo projeto Sabre – iniciais de Synergetic Air-Breathing Rocket Engine, ou Motor de Foguete a Aspiração de Ar Sinergética –, que está sendo desenvolvido entre as agências espaciais do Reino Unido e da Austrália. Com o objetivo de criar a “primeira ponte espacial do mundo”, a aeronave já elevada à categoria hipersônica tem previsão de alcançar velocidades ainda mais inimagináveis, acima de Mach 5 (6.120 km/h) dentro da atmosfera, ou de viajar como um foguete pelo espaço em Mach 25 (30.600 km/h).
A perspectiva é de que o Sabre esteja pronto para sua primeira viagem comercial em 2030. Mas, muito antes disso, no entanto, os engenheiros envolvidos com o projeto têm um desafio muito mais imediato e incandescente nas mãos: desenvolver a tecnologia para evitar que os motores se derretam pela própria temperatura de funcionamento. A sorte está lançada.
Fonte: Virgin Galactic, Wikipédia, Mundo Educação (UOL) I Tradução e edição: Fábio Ometto I Imagens: Divulgação